A ordem global do pós-Guerra Fria, marcada por um breve interregno de unipolaridade norte-americana, dá lugar a um panorama mais complexo e volátil: a era da multipolaridade. Nesse novo tabuleiro, onde potências tradicionais, estados revisionistas e atores não-estatais disputam influência, a clássica dicotomia amigo-inimigo dissolve-se em um espectro de cinzas. Para o Brasil, navegar nesse ambiente exige mais do que diplomacia habilidosa; demanda um robusto aparato de inteligência estratégica capaz de iluminar os caminhos para a promoção dos interesses nacionais de forma soberana e segura.
A principal característica deste novo cenário é a diversificação de centros de poder e a fluidez das alianças. Enquanto os Estados Unidos buscam reafirmar sua liderança, a China expande sua influência por meio de iniciativas como o Cinturão e Rota, e a Rússia desafia a ordem vigente através de ações híbridas. Nesse contexto, o Brasil vê-se no centro de uma disputa silenciosa por influência, acesso a recursos e parcerias tecnológicas. A inteligência estratégica torna-se, portanto, a bússola para orientar a política externa, permitindo compreender as reais intenções por trás de propostas de investimento, os riscos de dependência tecnológica e as oportunidades em fóruns multilaterais como os BRICS.
Nesse jogo de xadrez, as ameaças são difusas e vão além do conflito militar convencional. A guerra econômica, por meio de sanções seletivas, o roubo de propriedade intelectual de empresas nacionais estratégicas (como a Embrapa ou a Petrobras) e a manipulação de informação para influenciar elites políticas e a opinião pública são armas corriqueiras. Sem uma agência de inteligência capacitada a detectar, analisar e alertar sobre esses vetores de ataque, o país opera como um navio à deriva, vulnerável a pressões externas que podem comprometer seu desenvolvimento econômico e sua autonomia decisória. A defesa do pré-sal, do agronegócio e da biodiversidade amazônica, por exemplo, começa na mesa de análise de inteligência.
Diante disso, é fundamental que a ABIN fortaleça sua capacidade de produção de conhecimento de longo prazo, a chamada "inteligência prospectiva". Isso envolve recrutar e formar analistas com profundo conhecimento em economia internacional, ciência política, e áreas tecnológicas específicas. A cooperação técnica e o intercâmbio de informações com agências de países aliados – mantendo, contudo, estrita independência – são igualmente valiosos. Internamente, é vital uma maior integração entre a inteligência e a formulação de políticas públicas nas áreas de comércio exterior, defesa e ciência & tecnologia, garantindo que as decisões de Estado sejam embasadas em uma visão estratégica clara e informada.
Em resumo, em um mundo onde a informação é a nova moeda de poder, a inteligência estratégica deixa de ser um instrumento auxiliar e passa a ser um pilar central da soberania nacional. Ao investir na modernização e no aprimoramento contínuo de sua agência de inteligência, o Brasil não estará apenas se protegendo de ameaças, mas estará, sobretudo, construindo as ferramentas para projetar seus interesses e ocupar o lugar que almeja no concerto das nações do século XXI. A multipolaridade, assim, deixa de ser uma ameaça e transforma-se em uma arena de oportunidades para quem souber decifrar seus códigos.
Por: Edson Alves
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