sábado, 28 de setembro de 2019

RENDIÇÃO DIVINA


Todos os dias, dando os mesmos passos, andando o mesmo caminho, trilhando a mesma jornada, em busca de um destino diferente. Gostaria de saber por qual motivo mesmo a morte ainda existe? 

Do Rio de Janeiro ao rio Ganges, uma multidão de corpos parecem boiar nas águas do além. Nas margens desses e tantos outros rios, vejo peregrinos escaparem por um fio. Em telas de vidro e luz, pessoas celebram a morte tanto quanto a vida. Não havendo alguém para dizer chega, ninguém para dizer basta. Inocentes silenciados. Justos emudecidos. Enquanto o grito da tirania impera! Moro em país rico de habitantes pobres. Alguns pobres no bolso, muitos pobres na alma, nação de miseráveis. Parecem que nascemos para sofrer. As pessoas riem de sofrimento, ficam entretidas a desgraças. Isso me incomoda, me consome, enche minha alma de tristeza. 

Que fique claro que jamais desejei uma vida de dor e sofrimento. Nem a mim, muito menos a outros. Quem é que quer uma vida cheia de tristezas? 

Porém, quando minhas lágrimas ainda não haviam chegado ao chão, o Verbo expressou em meio ao silêncio a seguinte compreensão:

“ Onde houver tristezas, resistirá a alegria! Onde existir sofrimento, haverá também felicidade.”.

Sem que eu pudesse questionar ou descordar, cenas transpassaram meu franzino corpo diante do riacho que corre próximo ao leito dos lagos.

Vi lindas flores que brotavam do chão, e depois murchavam com o tempo. Outras não resistiam ao vento. Por mais belas e imponentes que fossem, todas desapareciam ora ou outra. Assim como sua essência. Jardins efêmeros. Nada na vida imóvel. Tudo em cíclica mudança. Tudo que se movimenta, nunca é igual. Embora pessoas acreditem serem sempre as mesmas, elas sofrem os mesmo efeitos de transformação da vida. 

Mas, se o aparente fim de tudo, assim como nossa morte é inevitável, então talvez seja está a razão da tristeza imperar sobre nossas vidas! Embora existam aqueles que se esforcem a superar o sofrimento, que buscam compartilhar amor e experimentar coletivamente a felicidade, no fim, a morte me assombra na ideia de que ainda assim, irá um dia acabar com tudo! 

Então, por qual razão nascemos neste mundo? Eu não entendo o motivo do Eterno permitir tais coisas se prolongarem. Queria possuir em mim, algo suficiente para desafiar a inevitável e absoluta morte. Gostaria de ser capaz de prolongar a vida. Porém, se não houvesse amor, ainda assim, viver demais não faria menor sentindo, e meu triunfo para posteridade seria ideia louca e sem razão. 

Talvez eu não tenha alcançado a dimensão de compreender o que realmente a morte significa. Um sopro agitou meus cabelos pelas têmporas, um arrepio gélido e majestoso, elevou novamente minha compreensão. 

Antes que as últimas pétalas de flores chegassem ao chão e banhassem sob minhas lágrimas, ouvi vozes como muitas vozes, ecoarem em claro e bom som: “A morte não é o fim de tudo!”. Foi aí que entendi ser a morte mais uma etapa, mera transformação. Meu corpo se aqueceu em luz. Com um clarão que afugentava tudo ao redor. Uma canção bela e impronunciável adentrou meus ouvidos, refletindo minha alma como se nada fosse. Assim mesmo eu me senti, como se ainda, eu não fosse nada. As estrelas começaram a desprender-se dos mantos celestes e despencar como raios ao mar. Uma onda enorme se elevou nas alturas e facilmente céu e mar foram confundidos. Ao meu redor o ar fazia um giro tão forte, que a rajada de vento estava afiada como faca, e dilacerava pouco á pouco. Não sentia mais o chão abaixo da planta dos pés. Sem asas, parecia flutuar. Ainda sem saber o porque, não existia medo em mim. 

Na linha do horizonte via uma multidão de corpos imóveis como estátuas de cinzas. Mas, não eram tristes e sim belos. Aquele clarão permanecia a expandir-se. Uma barreira de pétalas plainando como muros ao redor decorando as grandes ondas. Até que fechei meus olhos e tentei respirar...

E a voz de uma criança misturada ao som da voz trêmula de um ancião novamente ecoou em meio aos meus sentidos: “Menino, a morte não é o fim, lembrai dos santos, vestidos foram de luz após enfrentar a mais densa escuridão, foi o amor e não a força que nutriu coragem de desafiar a morte e prevalecer!”. 

Me vesti daquela verdade, para renascer da luz e entendimento me tornar mais próximo de Deus! 

As flores brotam e murcham. 
As estrelas brilham e desaparecem.
Sol e Lua, que nos iluminam, um dia também se apagarão. 
E a terra e a galáxia também há de passar. Nem todo universo será exceção! Porém, o verbo da vida não irá desvanecer! Comparado a isto, o que é a vida do homem. Se não um lapso, algo tão frágil e breve. Tênue e passageiro. Ligeiramente fúlgida, mero instante. É neste curto instante, que criancas nascem, riem, choram, lutam, crescem, sofrem, festejam, lamentam, se iram, e também amam! Tudo é transitório. Em seguida, todos caem no sono eterno denominado morte! 

Antes que minhas lágrimas caíssem, abri meus olhos, uni minhas mãos uma a outra, e das pétalas , repouso das lágrimas em minhas mãos, vi surgir uma flor. Uma voz me disse: “ O Divino fez ressurgir a flor, e com ela o milagre da existência, cabe a você plantar o Jardim, cabe a humanidade buscar conquistar o acesso a vida eterna!”. 
Antes que o aguilhão da morte transpassasse meu peito, eu desapareci e acordei em silêncio neste mundo ao som de minhas lágrimas ao chão. 

Ninho, em...
- Habitação de Virgem!
Série: Poemas Perdidos Celestes.

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