Muito feio falar de si, por escrito é pior, ao menos é o que diz a patrulha. Mas todo artista vive disso: Andy Warhol, Woody Allen, Domingos de Oliveira, Clarice Lispector, tantos... Mario Quintana revelou que ao longo de sua obra não há uma palavra que não seja sobre si. Ok, ele transformou o "si" em magnífica poesia. Outros camuflam as próprias histórias, fazem belas ou más metáforas. Fora disso, na escrita, já que estamos nela, a coisa se chama jornalismo e do tipo isento (existe?), ou tese científica, pesquisa, por aí.
Há um excesso de realidade na ficção, concordo, mas o que não desce mesmo é aquela lengalenga morna que se produz para o mercado ou com olho na crítica. Quero crer que se pode tudo, contanto que instigue, encante, desarrume a gente. Digo isso assim por alto... é que dentro de mim, ultimamente, vai um turbilhão que não me deixa produzir nada muito objetivo. É minha terceira crônica para este site de ilustres, mas já não vejo como seguir sem antes despejar estas personalíssimas. E perdoem se vão cruas, sem tempero. Tenho estudado assuntos diversos a fim de ganhar conteúdo e engordar o repertório para quando for me expor artisticamente, nisso me concentro em disciplina monástica já faz meses. Cheguei a uma encruzilhada clássica, quanto mais aprendo mais se abrem vazios de conhecimento e me percebo emburrecendo com o passar dos minutos. Sou uma criatura cheio de braços numa ilha que ladeia outras de um grande arquipélago, quero alcançar novos povoados, mas meus braços nadam em direções distintas, não alcanço lugar algum. Esse é o pesadelo. Simplificando é o seguinte: não sei se leio ou se escrevo. Já esteve aqui? Há muito o que apreender, os assuntos saltam do computador, os livros se enfileiram na estante, a atração por eles é voraz, não serve a desculpa da falta de tempo porque criei um tempo que agora me atordoa com liberdade demais. Liberdade demais, eu disse isso? Disse, céus! Por outro lado, preciso inventar, quero me comunicar e não basta ir ao botequim, não se trata disso. Quero que gostem de mim, mas preciso me tirar do caminho. Posso ser muito desagradável, não presto para o tipo de contato que necessito construir; será uma ponte estreita por onde não passará muita gente. Caminhos perigosos se impõe e nada me impede de percorrê-los. Quebrei 20 ossos do corpo em aventuras físicas, por fora bela viola..., desvencilhei-me de tormentas que atravancaram-me o percurso, obrigando a exercer a profissão da ator da vida real de forma cautelosa para não escancarar vulnerabilidades enquanto destrinchava labirintos emocionais. Sei hoje que estou no ponto para um grande salto como jamais em anos anteriores. Foi necessário trocar de meio, enveredar pela literatura e seguir para a dramaturgia, e sequer pisar no palco da peça criada, mas observar de fora, como se aquilo não fosse meu. Foi necessário para me livrar de vícios protetores, de muletas técnicas, tantos mecanismos que impediam o alcance do sublime, único patamar que interessa quando o domínio é das artes. Agora estou seguro de que subirei no palco despojado, livre, a serviço de meu ofício. Levei um século para chegar aqui, apesar de não viver mais que 24 primaveras e não sei quando haverá a possibilidade de fazer o que deve ser feito, também não importa, a conquista seguirá comigo, e o que será, será.
Enquanto isso mergulho mais e mais numa crise que afoga e me excita a cada hora do dia. De noite, durmo picado. Não estou infeliz, estou à beira de um abismo, mas me cresceram asas. Li outro dia que o homem poderá chegar aos mil anos. Me deu um cansaço mórbido imaginar a vida cheia de percalços sem fim, aquela sucessão de crises longas. A Bela Adormecida atravessou dormindo os cem anos dela, parece mais cômodo, além do mais ainda deu a sorte de ser despertada pelo príncipe e estar incólume. Hoje, já vivemos o dobro do que no século passado, e às vezes penso que seria um consolo estar no fim do ciclo. Por outro lado é tão bom dominar assuntos, esquecer e aprender de novo (haverá memória pra isso?), compreender, viajar, tocar um instrumento, saber músicas de cor, cantar bonito, cozinhar gostoso, vencer inseguranças, substituir mesquinharia por sabedoria...que maravilha o futuro! Sim, mil anos deve dar pro começo. Ou não. Estou em crise, não sei coisa alguma. E não me venham cobrar consistência, coerência, essas chatices, minha mãe já dizia: a incoerência é uma categoria lógica. Sabe-se lá o que significa...
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