*Autonomia e dependência*
A pedagogia escolar aborda um tema que me parece bastante útil para compreendermos o processo de aprendizado de uma criança. Os pedagogos dizem que a criança passa por 3 fases, a “anomia” que quer dizer, ausência de lei(nomos=lei, a=negação), depois a “heteronomia” que é viver de acordo com a lei de outros(no caso dos pais) e a “autonomia” que é viver conforme as próprias leis.
Isso demonstra o processo em que os valores morais vão passando para nossos filhos, no começo eles não possuem nenhuma noção de certo e errado, não possuem nenhuma lei, depois passam a obedecer apenas naquilo que são instruídos, não possuem uma consciência própria, por tanto precisam ser alertados a respeito de tudo para que possam andar de forma minimamente sadia.
Até que chega o momento do que seria a maturidade, quando a criança, agora já um adulto, passa a andar segundo suas próprias leis, os valores deixaram de ser os dos seus pais e se tornaram próprios, neste momento ainda que seus pais mudem algum valor é possível que o adulto já não mude.
Mas como será que é nossa vida com Deus?
A primeira vista, percebemos que as escrituras nos mostram uma expectativa de Jesus que seus discípulos fossem capaz de por em prática o que receberam. Jesus estava à espera da autonomia, que os discípulos andassem de acordo com a luz que receberam. Isso significa dizer que em muitos aspectos, só nos resta irmos lá e fazero que ele manda, nada a mais.
Isso pode ser percebido quando Jesus diz aos discípulos “não pudeste vigiar comigo nem uma hora?”
Jesus não foi animar os discípulos ou relembrar eles a importância da oração, apenas os repreendeu pois estava à espera de que eles soubessem o que fazer.
Então podemos dizer que a vida com Jesus é autónoma? Aqui há uma confusão, as duas realidades não são excludentes, Ele espera que sejamos autônomos e dependentes ao mesmo tempo. Isso se dá por meio da amizade, a amizade com Jesus.
Já não vos chamo servos, porque o servo não sabe o que faz seu senhor; mas Eu vos tenho chamado amigos, pois tudo o que ouvi de meu Pai Eu compartilhei convosco. João 15:15
Jesus diz para os discípulos que a relação de servidão foi elevada à condição de amizade, de fato começa na servidão, esta nunca acaba, mas avançamos para ter Jesus por amigo, pois ele passa a dividir conosco tudo que o Pai o revelou, não há segredos entre amigos.
Nesse momento percebemos que a pedagogia do Reino de Deus é de nos levar a amizade com Jesus. Não é de pura heteronomia (os escravos por exemplo) nem de pura autonomia independente (adultos solitarios) mas de amizade onde ora se manifesta a autonomia, quando já sabemos do que Jesus ama e o que ele faria em nosso lugar. Tal como eu já não pergunto minha esposa se ela quer jantar, pois ela não janta, apenas faz lanches a noite, eu não preciso mais consultar sua vontade nisso, pois simplesmente ja sei, assim nosso espírito precisa estar pronto para fazermos conforme aquilo que ele já ordenou.
Mas também andamos em dependência, pois queremos priorizar sua vontade mais excelente, este lugar é de absoluta liberdade, embora lá ainda não cheguei, consigo ver que é para lá que vou.
Uma amizade onde partilhamos tudo, não porque queremos que Jesus nos garanta “que vai dar certo” e sim por temos uma amizade onde já não queremos viver sem partilhar a vida com aquele que a criou.
Essa liberdade é vivida na mansidão, é a mansidão que nos permite sermos guiados de forma suave por esse vento.
Nessa relação a alma muitas das vezes é serva, fazendo por fé sem compreender, o início do amor que é a obediência, outras vezes desfruta de absoluta amizade percebendo as motivações e cada vontade do seu Senhor e Amigo.
Nesse lugar há de estarmos profundamente quebrantados, certamente há muita dor na alma por se lançar a uma relação de absoluto desapego, uma liberdade que assusta.
Nesse momento já será possível perceber que o Amor vai consumindo tudo que não está em edificado em Cristo, eventualmente trazendo grande confusão na alma, por se perder na sua própria identidade, as vezes confusa ela não sabe se é ou não amiga de Deus, ou ainda não fez uma decisão cabal e definitiva. Essa é sem dúvida uma doce-aflição, ainda é aflição para a carne mas já é doçura no espírito.
Então conheçamos, e prossigamos em conhecer ao Senhor; a sua saída, como a alva, é certa; e ele a nós virá como a chuva, como chuva serôdia que rega a terra. Oséias 6:3
Assim tem me ensinado Jesus, o meu amigo.
- Marcos Vinicius
GeaD 2002